Nova lei castiga mutuário inadimplente, que perde o imóvel e ainda fica com a dívida

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br
22/08/2017 às 20:41.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:12
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Medida Provisória (MP) aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado na semana passada pode punir, duas vezes, o comprador de imóvel que estiver inadimplente. Em contrapartida, ela vai beneficiar as instituições bancárias. Se a MP 775/2017 for sancionada pelo presidente Michel Temer, o que deve acontecer em breve, além de o banco poder tomar o bem e encaminhá-lo a leilão, se o valor do certame for inferior à dívida, o comprador continua devendo ao banco até quitá-la.

A mudança deve inibir novas transações imobiliárias e aumentar ainda mais a dor de cabeça do consumidor. Vale lembrar que, entre janeiro e julho deste ano, foram 3 mil unidades leiloadas no Estado, o dobro do registrado em igual período de 2016, conforme dados da Associação dos Moradores e Mutuários de Minas Gerais (AMMMG).

Imagine que um consumidor adquira um apartamento avaliado em R$ 310 mil e, após quitar R$ 50 mil, ele perca o emprego. Caso pelo menos três parcelas fiquem abertas, o banco pode levar o imóvel a leilão. Pela regra antiga, o fato de o bem voltar às mãos do banco já significava que a dívida estava paga. Porém, isso mudou.

Se o imóvel for arrematado no leilão por um valor menor do que a dívida, ou seja, por R$ 200 mil, por exemplo, além de perder o apartamento ou a casa, o consumidor ficará devendo o resquício à instituição bancária. Neste caso, ele ficaria devendo R$ 60 mil.
“A Medida Provisória é totalmente leonina, antidemocrática. Além disso, fere o princípio da moradia. Temer, que é constitucionalista de carteirinha, estará atropelando a Constituição Federal se aprovar essa MP”, rechaça o presidente da AMMMG.

Segundo o especialista, o texto bate de frente com a Lei 9514/97. Ela diz que são necessários dois leilões para que um imóvel possa ser colocado à venda. No primeiro, o valor do certame tem como base a avaliação estipulada no contrato de compra e venda. Este valor deve ser corrigido pela poupança até a data do primeiro certame.

Se o bem não for arrematado, uma nova data, pelo menos 15 dias depois, é agendada. Este segundo certame é balizado pelo valor da dívida. Se utilizarmos o exemplo do imóvel de R$ 310 mil, com R$ 50 mil já quitados, o lance mínimo seria de R$ 250 mil.
“Até então, se não vender por este valor, é responsabilidade do banco. O consumidor não pode ser responsabilizado”, diz Saldanha.

O presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Kênio Pereira, critica o lobby das construtoras, empreiteiras e incorporadoras no governo.

“De maneira maliciosa, essas empresas criam ilusões para fundamentar as novas regras. O governo atende aos anseios das construtoras de maneira a prejudicar os consumidores, talvez pelo fato da necessidade de receber doações de campanha. Mais uma vez, essas empresas se mostram extremamente influentes na política”, critica.

 MP pretende aumentar valor da multa paga a construtora em caso de distrato


O consumidor também será atingido em cheio pela Medida Provisória (MP) do Distrato, cujos termos ainda não foram totalmente detalhados. A MP foi proposta com a intenção de que se chegue a um consenso para reger os distratos de compra e venda de imóveis. No texto, segundo informações de bastidores, em caso de desistência da compra por parte do consumidor, a incorporadora poderá reter até 50% do valor já pago, limitado a 10% do valor do imóvel. O índice é alto.

Os tribunais de Justiça do país têm definido que as empresas podem ficar com 10% do que foi pago, caso haja desistência, quando há judicialização do processo. “A MP contraria as decisões do STJ, que limitam o percentual da multa de 10% a 25% do valor pago pelo comprador”, afirma o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB em Minas Gerais, Kênio Pereira.

Alívio

Devido à crise econômica, o professor Marcos Ataíde precisou fechar a empresa que comandava. A renda caiu drasticamente e não foi possível manter as prestações de um apartamento e de uma loja que ele possui no Alto Barroca, na Região Oeste de Belo Horizonte.

“Comecei a dar aulas, porque sou professor, mas não consegui a mesma renda. Meu imóvel quase foi a leilão”, diz. Ele conseguiu na Justiça, em segunda instância, o direito de pagar as parcelas atrasadas em juízo, e se sente aliviado por não precisar recorrer ao judiciário após a sanção das MPs. “É assustador que isso possa acontecer. É um desrespeito”, critica.

Por nota, a Caixa informou que “o índice de imóveis retomados nos últimos 7 anos está dentro do previsto pela política de crédito da instituição”.

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