Dispositivo inventado por grupo da UFMG desvenda necessidades de recém-nascidos

Flávia Ivo
fivo@hojeemdia.com.br
27/11/2017 às 06:00.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:53
 (Pedro Gontijo)

(Pedro Gontijo)

Realizar intervenções que sejam capazes de mudar o prognóstico de um bebê ao nascer e prevenir doenças na infância são alguns dos propósitos de um grupo multidisciplinar da UFMG. Os pesquisadores desenvolveram um dispositivo que avalia, de forma rápida e nas primeiras 24 horas de vida, a prematuridade ou não de um recém-nascido com maior precisão que os métodos utilizados atualmente.

40 bebês prematuros nascem no Brasil a cada hora, segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos no SUS e Ministério da Saúde

O nascimento entre 28 e 37 semanas (período em que o bebê é considerado prematuro) é a principal causa de morte no primeiro ano de vida no país, conforme a pesquisa Nascer no Brasil, concluída pela Sociedade Brasileira de Pediatria em 2014.

Muitas vezes, é um desafio identificar a prematuridade, afirma Zilma Reis, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenadora do projeto Skin Age.

“Trabalho em uma equipe que atua com gravidez de alto risco e bebês prematuros há mais de 20 anos. No nosso dia a dia, quando não há informação confiável de referência, como acompanhamento por pré-natal e ultrassom, é difícil precisar a idade gestacional”, explica a obstetra.

Um oxímetro de dedo para ser usado em casa custa em torno de R$ 100 se comprado pela internet; a tecnologia deste aparelho é semelhante à do Skin Age

Funcionamento

Desde a concepção do Skin Age Light Scan, o grupo tinha duas prioridades: segurança máxima e custo mínimo. “Queríamos uma solução que fosse a mais democrática possível, pensando nas dificuldades de países africanos, do próprio Brasil, em locais com poucos recursos, e fazer de uma maneira que a leitura fosse automática”, revela Zilma Reis.

O dispositivo, em formato de caneta e com sensor de luzes LED de cores diferentes na ponta, é colocado em contato com a pele do recém-nascido. 

Por meio da interação da luz com a pele, é realizada uma leitura dos efeitos de absorção, reflexão e espalhamento da luminosidade. Esses dados são processados por um algoritmo matemático que irá mostrar, imediatamente, a estimativa de quantas semanas aquele bebê passou na barriga da mãe.

“Um prematuro tem a pele mais fininha, absorvendo muita luz e voltando pouco para o sensor. A pele mais madura vai absorver menos, porque já tem até uma camada de gordurinha, e vai refletir muito”, esclarece a médica.

28 semanas de gestação é o prazo de nascimento considerado como prematuro extremo, conforme a Sociedade Brasileira de Pediatria

Do ponto de vista da radiação, a luz LED interage com o tecido da mesma forma que uma lâmpada acesa. E o uso dela, garante Zilma Reis, também contribui para a redução do custo.

A nova tecnologia, fabricada hoje em laboratório da UFMG, deve chegar ao mercado com valor aproximado de um oxímetro – aparelho que mede a oxigenação pelo dedo da mão do paciente quando em salas de cirurgia ou internação.

Patentes

A nova tecnologia foi aplicada em 120 bebês nascidos nas maternidades dos hospitais das Clínicas e Sofia Feldman, na capital, tendo a eficiência aprovada. 

A partir do sucesso dos testes, foi solicitada, em 2016, a patente nacional tanto do dispositivo quanto do algoritmo. Já no início deste mês, depois de mais um ano complementando exames em bebês e fazendo melhorias no dispositivo, o grupo fez o depósito internacional da patente, que é válido em cerca de 180 países.

Finalizada a primeira etapa, o passo seguinte já foi dado e está para começar. No ano que vem e em 2019, o aparelho será testado em hospitais de todo o país, com apoio do Ministério da Saúde, para que seja validado por outros profissionais e aplicado no dia a dia das unidades de saúde brasileiras.

Projeto tornou-se possível por incentivo internacional

O projeto vem sendo desenvolvido há cerca de três anos. O Skin Age Light Scan foi pensado para ser utilizado no mundo inteiro, com vários cenários de partos (em casa, em hospitais simples e naqueles de alta tecnologia) e em diferentes tonalidades de pele.

Em 2014, a coordenadora do projeto, Zilma Reis, estava frente a frente com um desafio proposto pela Fundação Bill & Melinda Gates (organização sem fins lucrativos criada pelo fundador e ex-presidente da Microsoft e a esposa dele). A missão era identificar a idade gestacional por uma técnica diferente do ultrassom, mais acessível e que tivesse uma acurácia melhor.

No entanto, o desafio havia sido proposto em um processo seletivo aberto para pesquisadores de todo o mundo. “Eu, obstetra, e um físico, escrevemos essa ideia, que tinha um princípio que a embasava, mas não havia sido tentada. Analisar a pele através da luz e com isso mapear as diferenças e as alterações”, conta a professora.

70% dos óbitos neonatais no mundo são de prematuros, afirma a Organização Mundial da Saúde

A fundação internacional acreditou na ideia dos pesquisadores da UFMG e premiou o projeto com 100 mil dólares. 

Como, por força de contrato, quando a entidade financia um projeto o país de origem precisa entrar com uma contrapartida, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) complementou com 50 mil dólares a etapa de desenvolvimento.

“Eu me sinto privilegiada e essa equipe também de estar tendo essa oportunidade. Acredito que muitas boas ideias morrem antes de iniciar porque não têm recursos e a gente realmente conseguiu desenvolver. A pesquisa no Brasil está em um momento crítico, se fôssemos esperar por recursos nacionais estaríamos só na ideia até hoje”, expõe Zilma Reis.

Para além

A pesquisa, que já será expandida para todo o país em um chamado ensaio clínico, também poderá estar em teste na África.

Em agosto, o grupo submeteu uma proposta para uma pesquisa internacional envolvendo aquele continente. A intenção é entender se o dispositivo terá a mesma precisão quando exposto às tonalidades de pele africanas.

  • No Brasil, ocorrem 3 milhões de nascimentos ao ano. A cada 12 meses, 340 mil bebês são considerados prematuros no país
  • Dos recém-nascidos pré-termos (que nascem antes da hora), 54 mil são prematuros com menos de 32 semanas
  • Em todo o mundo, cerca de 15 milhões de bebês prematuros nascem a cada ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)
  • Segundo dados da OMS, o Brasil está entre os dez países com maior número de nascimento de bebês prematuros, índice que coloca o país em posição semelhante às nações de baixa renda
  • Cerca de 55% dos recém-nascidos do Brasil possuem idade gestacional imprecisa ou desconhecida por falta de exame ultrassom obstétrico
  • Os prematuros que sobrevivem apresentam maior risco de hipertensão, diabetes, dislipidemias e obesidade quando adultos; além disso, podem ter alterações no neurodesenvolvimento na infância
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