Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Era só um sonho

Tio Flávio
Publicado em 24/03/2023 às 06:11.

Eu cheguei à cidade de Felixlândia para dar uma palestra numa terça-feira à noite. As ruas estavam tranquilas e poucas lojas ainda abertas. O santuário iluminado enfeitava aquela praça limpa, bem cuidada e bonita, com várias árvores no entorno.
O evento foi na Casa Paroquial e aos poucos foram chegando os participantes, recebidos com sorrisos pela equipe que coordenava o evento, cada um foi tomando o seu assento.
Após três falas institucionais, comecei a minha palestra. Olhos atentos, risadas em algum momento mais engraçado da palestra, agora olhos dispersos em pensamentos provocados pela abordagem da noite.

O tema seria cooperação e solidariedade que, em sua essência, requer um foco coletivo. Mas como falar sobre isso, sem antes abordar o indivíduo. 
Como dizia Confúcio: “se o indivíduo vai mal, a família vai mal; se a família vai mal, a cidade vai mal”.
No encerramento, um cafezinho nos esperava. Como eu teria que viajar para outra cidade naquela noite mesmo, já tratei de comer uns salgadinhos e preparar para partir. Foi quando uma das organizadoras do evento me disse que queria apresentar algumas pessoas. Tratava-se de três mulheres bem gentis e empolgadas. Uma delas estava com um uniforme escrito “Transforma em ação”, cujo nome não me era estranho.

Quando começaram a falar que tinham criado uma ONG de leitura, mas que tudo havia começado debaixo das árvores da praça do Santuário, uma completou: Eu nem conhecia o projeto, passava pela praça e via aquele monte de gente lendo, achava que era a catequese. Só depois que vim descobrir que era um projeto de estímulo à leitura.

Ler é muito chato, ainda pensam desta forma algumas crianças e jovens de hoje em dia. E devem pensar assim vários adultos que não tiveram boa experiência com os livros.
Com uma nova linguagem digital, além de jogos, músicas e redes sociais mais atrativos, eles ficam fixados nas telas e, quando preciso, fazem suas pesquisas em sites ou mecanismos de busca. Mas, ler mesmo é uma dificuldade.

Como todo hábito, as crianças têm que ser apresentadas à leitura não como uma obrigação escolar, mas como uma viagem, inclusive para destinos diferentes a cada novo livro e autor explorado. Fazer os jovens lerem não é tarefa fácil. E despertar o prazer na leitura, aí sim é sonho, utopia pura.

Gosto muito da frase do Caleb Carr, em “O Alienista”: “Aqueles que são vistos dançando, são considerados loucos por quem não consegue ouvir a música”, pois foi desta forma que a Fernanda Mendes viu tudo acontecer.

Quem a ouvia achava que ela era louca, pois levar leitura, de forma continua, às crianças e adolescentes da cidade já é coisa de quem não tem muita noção da realidade que se avizinha.

Mas ela continuou persistindo, a ponto de conseguir uma casa, do ladinho do Santuário da cidade, que foi toda reformada e uma arquiteta, que entendeu bem a ideia, deu vida a um espaço físico que não se explica facilmente. Na verdade, a arquiteta materializou a vida que por ali transita. E haja vida.

Ambientes de estudos, de leitura, a propria biblioteca, um espaço para contação de história e para jogos como o “soletrando”, espaço para ficar confortavelmente sentado, lendo. E muito mais atividades. As cercas são de madeira, que permitem que a casa não pareça isolada de quem passa pela rua, mas a esquina é privilegiada, pois no lugar de muro, um vidro que quebra a distância visual.

Quando as três jovens me chamaram para conhecer o espaço, após a palestra, eu disse que meu tempo estava bem corrido, mas que voltaria outro dia –dia este que nem sei de acontecerá. Elas insistiram, perguntei ao Luiz, que gentilmente me conduziu para as palestras por dois dias, se havia algum problema. Ele não só concordou, como foi junto conhecer o local e tirar várias fotos.

Eu ainda estou encantado, não só com a beleza do espaço físico, mas com a alegria de quem faz aquilo tudo acontecer, com os sonhos de novos projetos e a felicidade que não estava só no rosto daquelas mulheres, mas palpável em cada canto daquela casa, em cada livro que sai da estante.

Numa foto em seu perfil nas redes sociais, pude ver que o Transforma em ação desperta o interesse de adultos que nunca leram um livro sequer e vão lá, curiosamente descobrir o que estavam perdendo até então.

Entrei no carro quase dez da noite, deixando Felixlândia com uma alegria sem igual, de ter aceitado o convite, de ter visto as fotos dos eventos, de ter percorrido cada espaço e de ter conhecido gente que prova para todos nós que nada é, foi ou será fácil, mas que começar é uma sábia decisão no que diz respeito a projetos que ligam educação, esperança e amor.

Conheça mais pelo Instagram @transformaemacaomg e pelo site transformaemacao.com.br

*Palestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

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